Heitor Férrer: Base de apoio grande dificulta fiscalização

O deputado estadual Heitor Férrer (Solidariedade), conhecido por exercer ao longo de sua carreira política a função fiscalizadora do Poder Legislativo, conta que isso se torna difícil no momento atual, em que a base de sustentação do Governo do Estado engloba a maioria dos integrantes da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

Em meio a isso, com a pandemia, os empecilhos aumentam mais ainda. O parlamentar conversou com O Estado sobre esse tema e também sobre sua atividade legislativa, enfrentamento à crise sanitária e projeções para as eleições de 2022. Confira:

O Estado. Você falou recentemente, na Assembleia, sobre abrir uma CPI apurando irregularidades em empresas de reciclagem. Qual é a situação, exatamente?
Heitor Férrer. Existe no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que trata especificamente do destino daquilo que é produzido, como entulho, lixo, para evitar a poluição do planeta. No caso da construção civil, a lei estabelece claramente que tudo aquilo que é produzido de lixo o empresário tem que contratar um transporte, caçamba. Os caçambeiros registrados têm que levar o lixo para o destino e quem paga para a retirada de entulho é o produtor poluidor. E o que nós detectamos é que as usinas autorizadas pelo poder público simplesmente recebem entulho, resíduo, recebem o valor pago pelo construtor e não reciclam, então isso é um crime ambiental seríssimo, violando lei nacional e estadual.

OE. Já começou a coletar assinaturas para abrir a CPI? Tem um número já?
HF. Tive um pronunciamento sobre isso na Assembleia. Estamos numa situação paralisante de pandemia, o plenário funciona só na quinta-feira e vou levar a proposta da CPI claro que com os pés no chão. Pensar em CPI na Assembleia é sonhar com algo que não é exequível, porque uma CPI precisa de 16 assinaturas, e isso é muito difícil conseguir dentro da Assembleia como está hoje. Mas eu vou insistir, porque tenho fato completo de violação de lei nacional e estadual.

OE. Com relação a projetos seus tramitando hoje na casa, há algum específico que você destaca como mais importante?
HF. Tem alguns projetos de lei que estão tramitando já há algum tempo. Tem um que trata da escolha do procurador-geral do estado, para que seja alguém de dentro do quadro dos procuradores do estado, servidores públicos convocados. 

Porque o governador tem livre arbítrio de escolher quem quiser como procurador-geral, e quero estabelecer na lei que venha dos quadros da Procuradoria, que já está lá há algum tempo. Tem outro projeto, que trata da regulamentação dos títulos de cidadania cearense, que busca estabelecer que o deputado autor do pedido fundamente quais serviços prestados por aquele que será homenageado com o título de cidadão. Por exemplo, se você é cidadão que, mesmo não morando aqui, tem forte ligação e envolvimento com o estado, cuidados com o estado, pelo seu povo, ou mesmo vivendo no estado, aí sim.

OE. Você historicamente cumpre o papel de fiscalizador do poder público, que é uma das atribuições do Legislativo. Percebe que há disposição dos seus colegas também para isso ou a maior parte desse trabalho fica para você?
HF. Olha, para ser executado acho que deve haver um sentimento mais crítico. A grande maioria [dos deputados] dá sustentação política ao governo, cada qual acreditando naquilo que lhe é proposto. 

Se está com o governo, é porque tem plena confiança e boa vontade com o governo e respeitamos o sentimento de cada um. Eu defendo sempre que o Parlamento, o parlamentar não deveria ser nem apaixonado pelo Executivo, nem hodierno. Eu propus há algum tempo, mas não prosperou, uma emenda à Constituição proibindo o deputado de assumir cargo no Poder Executivo. Essa matéria não andou, porque uma emenda à Constituição precisa de 12 assinaturas. 

Ela estabelecia que deputado estadual eleito não podia deixar o mandato para ser secretário do governo, porque estaria traindo o eleitor quando buscou voto dizendo que ia ser deputado e fiscalizar o governo. Quando ele deixa de ser deputado para ser secretário, passa de fiscalizador para fiscalizado. E aí, o secretário terá suas contas e seus atos fiscalizadas pelos outros deputados, e não foi para isso que ele se propôs. Então não consegui lograr êxito na sua tramitação, porque não consegui número suficiente de assinaturas para tramitar. Hoje na Assembleia a base de sustentação do governo é muito ampla e isso dificulta o processo de cobrança maior do Executivo.

OE. Com a pandemia, esse trabalho fica mais difícil? Aumenta ou diminui?

HF. No processo que estamos atravessando, com as sessões não presenciais da Assembleia, não podemos usar a tribuna rotineiramente e isso causa muito prejuízo ao desempenho do nosso mandato. Porque uma coisa é estar na Assembleia e receber as pessoas que querem fazer denúncias, querem fazer reclamações, outra coisa é estar com uma sessão por semana, então isso tem atrapalhado demais os trabalhos legislativos.

OE. Nos últimos meses, temos visto descontentamento de parte da oposição com o enfrentamento à pandemia pelo governo estadual, com as medidas restritivas. Você, como opositor, o que pensa?
HF. Com relação ao enfrentamento à pandemia, eu particularmente não tenho nada a reclamar, porque o governador [Camilo Santana] seguiu os protocolos de um comitê de crise. 

Ele segue o que esse comitê, constituído pelo secretário de Saúde, pelo Ministério Público estadual, por epidemiologistas, infectologistas, presidente da Assembleia Legislativa… Ele recebe diretrizes desse comitê e segue rigorosamente o que manda. É claro que aquele que defende o não isolamento não fica satisfeito, e nós sabemos que gera prejuízos enormes para a sociedade. O isolamento gera prejuízo, mas foi necessário para minimizar o avanço da pandemia no Ceará, que foi um dos estados que mais sofreram, mesmo com esse enfrentamento que nós tivemos, com as condutas adotadas por esse comitê.

OE. Para 2022, quais são seus planos? Continuar na Assembleia?
HF. Minha pretensão é a reeleição a deputado estadual.

OE. Ano passado você tentou chegar à Prefeitura de Fortaleza pela terceira vez e mais uma vez não chegou ao segundo turno. Pretende continuar tentando cargo no Executivo?
HF. Eu tentei chegar como uma terceira via, mas, quando a campanha já nasce polarizada, uma terceira via fica praticamente inviabilizada. Principalmente na minha campanha, que teve muito pouco tempo de televisão, mesmo com ajuda do MBD, que me deu mais tempo. O MDB deu uma ajuda que me deixou extremamente grato ao senador Eunício Oliveira, e com isso eu consegui pelo menos mostrar tudo o que defendia para o meu governo, então isso foi muito valioso.

OE. A polarização com uma terceira via inviabilizada é também o que você enxerga para a eleição presidencial de 2022?
HF. Infelizmente sim, também. Porque ficamos entre um candidato que já foi presidente e o candidato que é presidente hoje, com um governo que teve equívocos. Se a sociedade fica entre um e outro, sem aparecer um nome que nos dê uma nova esperança, é muito ruim para a democracia.

OE. Enxerga isso mesmo entre os possíveis candidatos da terceira via?
HF. Não são nomes novos. O Brasil está já há algum tempo com os mesmos nomes, não existe liderança nova que dê a esperança de uma grande mudança. Infelizmente vem vindo uma campanha para presidente que já marca a polarização entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro, e para os que querem uma nova esperança, uma mudança, não apareceu até agora um novo nome.

Fonte: https://oestadoce.com.br/geral/heitor-ferrer-base-de-apoio-grande-dificulta-fiscalizacao/